O Poder da Dieta: O Que Comemos Realmente Importa

A ideia de que “somos o que comemos” pode soar antiga, mas a ciência moderna continua a reforçá-la. Uma alimentação inadequada está ligada a 22% de todas as mortes globalmente, superando até mesmo o tabaco e o cancro.

Alimentos Ultraprocessados (AUPs): Eric Topol descreve os AUPs como “substâncias alienígenas, produzidas industrialmente, não naturais”. Estes alimentos contêm aditivos químicos e passam por processos físicos que os tornam altamente digeríveis, levando a picos de glicose e insulina no sangue, o oposto do que a fibra alimentar faz. O consumo de AUPs está associado a um risco significativamente aumentado de doenças cardiovasculares e metabólicas, como síndrome metabólica (80%), diabetes tipo 2 (40%), hipertensão (23%), obesidade (55%) e morte cardiovascular (66%). É notável que mesmo um aumento de 10% na ingestão de AUPs pode elevar o risco de comprometimento cognitivo em 16% entre adultos mais velhos. Um estudo randomizado de Kevin Hall e colegas mostrou que as pessoas que comeram AUPs consumiram cerca de 500 calorias a mais por dia e ganharam peso, enquanto o grupo que consumiu alimentos não processados perdeu peso. Para limitar a exposição, é aconselhável ler os rótulos cuidadosamente, evitar aditivos e açúcares adicionados, procurar produtos com o mínimo de ingredientes e fazer a maioria das compras no perímetro do supermercado, onde estão os alimentos frescos. Topol sugere que, no futuro, os AUPs podem vir a ser vistos de forma semelhante aos cigarros, devido aos seus perigos.

Açúcares e Adoçantes: O excesso de açúcar é claramente prejudicial. A maior fonte de açúcar adicionado na dieta são as bebidas açucaradas, ligadas a um aumento da mortalidade por todas as causas e por doenças cardiovasculares e cancro. Quanto aos adoçantes artificiais, os dados são conflitantes, mas geralmente desfavoráveis, com alguns estudos a ligá-los a riscos cardiovasculares e alterações no microbioma intestinal, embora não sejam tão preocupantes quanto o alto consumo de açúcar.

Sal: A ligação entre a ingestão de sódio e a hipertensão é clara, embora a magnitude do efeito possa variar. Níveis acima de 5 gramas de sódio por dia aumentam o risco cardiovascular e podem reduzir o fluxo sanguíneo para o cérebro. A recomendação é evitar ou limitar a adição de sal aos alimentos e prestar atenção aos rótulos.

Macronutrientes (Carboidratos, Proteínas e Gorduras): A qualidade é mais importante do que a quantidade bruta.

    ◦ Carboidratos: A “carbotoxicidade” surge do consumo excessivo. Priorize carboidratos de boa qualidade, como amido resistente, fibras alimentares (25-30 gramas por dia podem reduzir a mortalidade por todas as causas e doenças cardiovasculares em 15-30%), vegetais não-amiláceos, legumes, frutas e grãos integrais.

    ◦ Proteínas: A ingestão diária recomendada (RDA) de 0,8 gramas por quilograma de peso pode ser subestimada para adultos mais velhos, que precisam de mais proteína para prevenir a perda de massa muscular (sarcopenia). No entanto, o excesso de proteínas animais ricas em leucina deve ser evitado devido ao potencial de promover aterosclerose e inflamação.

    ◦ Gorduras: A qualidade da gordura é crucial. A troca de gorduras saturadas por gorduras vegetais insaturadas (mono ou poliinsaturadas) está associada a uma redução substancial do risco de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2. Dietas cetogénicas, ricas em gordura, podem estar associadas a níveis mais elevados de colesterol e risco cardiovascular.

Cafeína e Álcool:

    ◦ Cafeína: O consumo de café, até cerca de quatro chávenas por dia, está associado a uma redução da mortalidade por todas as causas (até 30%) e cardiovascular, bem como a um menor risco de vários tipos de cancro, doença de Parkinson e diabetes tipo 2. As preocupações de que o café induz arritmias cardíacas (como fibrilação atrial) foram amplamente refutadas por grandes estudos.

    ◦ Álcool: A evidência é menos clara. O mito dos benefícios do vinho tinto foi refutado, e as bebidas alcoólicas são classificadas como cancerígenas. Um consumo leve (até duas bebidas por semana) pode não ser um problema, mas os riscos aumentam rapidamente com maiores níveis de ingestão.

Carne Vermelha vs. Dietas à Base de Plantas: Carnes processadas (cachorros-quentes, bacon, salsichas) são classificadas como cancerígenas e ligadas ao maior risco de mortalidade. A carne vermelha não processada é “provavelmente cancerígena”. Em contraste, alimentos à base de plantas são “plainamente mais saudáveis”, associados a um risco 23% menor de diabetes tipo 2 e proteção substancial contra mortalidade por todas as causas, mortes cardiovasculares e diabetes tipo 2. Um estudo recente também ligou o consumo de carne vermelha processada a um risco 13% maior de demência, mas a substituição por nozes ou leguminosas pode mitigar esse risco. Comer mais alimentos vegetais pode mudar o perfil do microbioma intestinal para um mais favorável.

A Dieta Mediterrânica: Considerada um modelo de alimentação saudável, esta dieta, rica em azeite, nozes, frutas frescas, vegetais, peixe, legumes e quantidades limitadas de carne vermelha e produtos de panificação comerciais, tem forte apoio em ensaios randomizados. Está robustamente associada à redução da morte por qualquer causa, doenças cardiovasculares, cancro e doenças neurodegenerativas, e à melhoria do microbioma intestinal.

O Impacto Profundo do Exercício

Eric Topol e o Dr. Euan Ashley (da Universidade de Stanford), co-líder do consórcio MoTrPAC, veem o exercício como a “intervenção médica mais potente que conhecemos”. Os seus benefícios são vastos, impactando favoravelmente o sistema cardiovascular, cérebro, pâncreas, músculos, trato gastrointestinal, fígado, tecido adiposo, microbioma intestinal e vasos sanguíneos periféricos. Ashley chegou a afirmar que “um minuto de exercício te dava cinco minutos de vida extra”, e se fosse de alta intensidade, sete ou oito minutos.

Benefícios Abrangentes: O exercício regular reduz a mortalidade por todas as causas (em 31%), a mortalidade cardiovascular e a mortalidade por cancro. Também melhora a saúde mental (superando até mesmo alguns medicamentos para depressão e ansiedade), a saúde pulmonar, gastrointestinal, óssea e a função muscular. Um estudo do MoTrPAC revelou que o exercício provoca mudanças dramáticas em cada tecido do corpo, incluindo a glândula adrenal e o sistema imunitário. Os achados foram até mesmo específicos para o sexo.

Tipos de Exercício: Antigamente, focava-se apenas no exercício aeróbico. Contudo, Topol reconhece que foi um erro omitir a importância do treino de força, resistência e equilíbrio. O treino de força, por exemplo, ajuda a prevenir a sarcopenia (perda de massa muscular com a idade), melhora a densidade óssea, a qualidade do sono e o bem-estar mental. A força de preensão manual é um indicador prognóstico importante, e o seu aumento está associado à redução da mortalidade por todas as causas.

Movimento é Chave: É fundamental evitar ficar sentado por longos períodos, pois isso está associado a um maior risco de mortalidade. Mesmo pequenas quantidades de atividade física fragmentada podem ser benéficas. A meta amplamente divulgada de 10.000 passos por dia não tem validação rigorosa, com estudos a mostrarem benefícios a partir de níveis muito mais baixos, como 2.700 passos/dia para algumas coortes.

Nunca é Tarde: A história de Richard Morgan, um homem de 93 anos que começou a fazer exercício regularmente aos 70 e se tornou um campeão mundial de remo indoor, demonstra que nunca é tarde para começar a exercer-se e colher os benefícios.

O Sono: A Limpeza Essencial do Cérebro

Eric Topol destaca que o sono é um “estado biológico não negociável, necessário para a manutenção da vida humana”, e que a nossa necessidade de sono se assemelha à necessidade de ar, comida e água.

Sistema Glifático: Durante o sono, especialmente na fase de sono não-REM (sono profundo ou de ondas lentas), o cérebro ativa o seu sistema glifático, uma rede de vasos que limpa os produtos de resíduos metabólicos. A acumulação da proteína beta-amilóide, precursora da doença de Alzheimer, aumenta significativamente após apenas uma noite de privação de sono.

Duração Ótima: Estudos do UK Biobank indicam que cerca de sete horas de sono é a duração ideal. Menos de seis horas ou mais de oito horas por noite estão associadas a declínio cognitivo e de saúde mental, bem como a um maior risco de mortalidade por todas as causas e doenças cardiovasculares.

Problemas com a Idade e Medicamentos: Com a idade, o sono profundo diminui e o sono torna-se mais fragmentado. Ironia notável: medicamentos comuns para dormir, como o Ambien (zolpidem), suprimem o fluxo glifático e a eliminação de resíduos, possivelmente contribuindo para um maior risco de Alzheimer.

Dicas para um Sono Saudável:

    ◦ Manter a regularidade: Ir para a cama e acordar à mesma hora todos os dias, incluindo fins de semana.

    ◦ Rotina consistente: Manter um padrão regular de exercício e refeições.

    ◦ Evitar refeições tardias: De preferência, comer o jantar pelo menos três a quatro horas antes de deitar.

    ◦ Ambiente de sono: Quarto fresco, completamente escuro e silencioso.

    ◦ Luz azul: Evitar a exposição à luz azul de dispositivos eletrónicos antes de dormir, pois isso interfere com o ritmo circadiano e suprime a produção de melatonina.

    ◦ Evitar álcool: Especialmente nas 3 horas antes de deitar.

    ◦ Tratar apneia do sono: Um distúrbio comum que aumenta significativamente o risco cardiovascular e metabólico.

    ◦ Técnicas de relaxamento/Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): Podem ser eficazes para melhorar a qualidade do sono.

Toxinas Ambientais e Contaminantes (Lifestyle+)

A nossa exposição a toxinas ambientais representa uma preocupação crescente, e Eric Topol argumenta que estas são “muito mais importantes do que geralmente se reconhece”.

Poluição do Ar: A poluição por partículas finas (PM2.5) é o principal contribuinte para a carga global de doenças, associada a um aumento da mortalidade e a riscos para a saúde cardiovascular, metabólica (20% dos casos de diabetes tipo 2 estão ligados à exposição crónica), cognitiva e imunitária. Não há limite seguro identificado para os efeitos crónicos.

Micro e Nanoplásticos (MNPs): Topol enfatiza a sua ubiquidade e os perigos para a saúde. Estas minúsculas partículas de plástico transportam milhares de químicos e têm sido encontradas em quase todos os órgãos do corpo humano, incluindo artérias, cérebro, coágulos sanguíneos, fígado, testículos e placenta.

    ◦ Um estudo crucial revelou que a presença de MNPs em placas ateroscleróticas (gordura nas artérias) estava ligada a um aumento de 4,5 vezes no risco de mortalidade por todas as causas, ataque cardíaco e AVC.

    ◦ Mais preocupante ainda, novos dados mostram a acumulação de MNPs no cérebro, com níveis 7 a 30 vezes maiores do que no fígado ou rins, e concentrações significativamente mais altas em cérebros de pessoas com demência. Estes achados, embora não estabeleçam causalidade, adicionam peso às preocupações com a inflamação e efeitos adversos induzidos por MNPs em múltiplos sistemas orgânicos.

    ◦ Para reduzir a exposição, recomenda-se evitar alimentos e bebidas embalados em plástico, limitar o uso de tecidos sintéticos e plásticos na cozinha, e reduzir a produção de plástico em geral.

PFAS (Químicos Eternos): Estes químicos feitos pelo homem não se decompõem e estão amplamente presentes na água da torneira e em muitos produtos. A alta exposição a PFAS está ligada a cancro renal e testicular, obesidade, hipertensão, colesterol alto e danos em vários órgãos.

Conexões Sociais e Socioeconómicas

Solidão e Isolamento Social: São uma preocupação crítica de saúde pública, com a solidão associada a um aumento de 32% na mortalidade por todas as causas, 34% na mortalidade cardiovascular e 24% na mortalidade relacionada com o cancro.

Estatuto Socioeconómico (SES): É um fator de risco independente para a mortalidade prematura, tão importante quanto fumar, consumo excessivo de álcool ou inatividade física. Dietas pobres, sono insuficiente e maior exposição à poluição do ar são desproporcionalmente encontrados em populações com menor SES. A educação, por exemplo, está inversamente correlacionada com o risco de mortalidade.

O Grande Quadro: A Interdependência dos Fatores de Estilo de Vida+

A verdadeira força para a promoção da saúde e longevidade reside na interdependência de todos estes fatores. Não se trata apenas de um único aspeto, mas sim da combinação e sinergia entre eles. Estudos de modelagem sugerem que uma mudança sustentada para uma dieta ideal, sem tabagismo, sem obesidade e com consumo moderado de álcool, pode aumentar a esperança de vida em vários anos, e a combinação de oito fatores de estilo de vida saudáveis (incluindo sono reparador, gestão de stress e conexões sociais) pode adicionar 20 a 24 anos à esperança de vida.

O Futuro da Saúde Personalizada

Eric Topol destaca que a era da saúde personalizada está a emergir, impulsionada pela inteligência artificial (IA) e pela análise de “big data”.

Dieta da IA / Nutrição Personalizada: A ideia de uma dieta universal é ingénua, pois cada um de nós é biologicamente único. A IA está a ser desenvolvida para criar dietas personalizadas com base na nossa genoma, metabolismo, microbioma intestinal e outros dados, como os picos de glicose medidos por sensores contínuos de glicose (CGM).

Relógios de Órgãos por Proteínas: Uma área de ponta é a medição de milhares de proteínas no sangue para desenvolver “relógios de órgãos”, que preveem o envelhecimento biológico específico de cada órgão. Estes relógios podem prever o risco de doenças e a mortalidade futura, e, crucialmente, são sensíveis a intervenções no estilo de vida, como dieta e exercício. Isso oferece um objetivo mais realista para intervenções do que tentar retardar o envelhecimento de todo o corpo.

Testes de Sangue para Alzheimer: O biomarcador p-Tau217 no plasma é um avanço notável que pode prever a doença de Alzheimer com mais de 20 anos de antecedência. Este biomarcador é dinâmico e responde a intervenções como o exercício, sugerindo que pode haver formas de atrasar ou prevenir a doença. Eric Topol vê o p-Tau217 como uma ferramenta potencial para orientar a prevenção, semelhante ao colesterol LDL.

Em resumo, a mensagem principal do trabalho de Eric Topol é clara: embora tecnologias biomédicas e novos medicamentos possam oferecer avanços, a nossa capacidade de viver mais anos saudáveis depende substancialmente da atenção e otimização dos fatores de “estilo de vida+”. É uma abordagem multifacetada que, combinada, oferece o caminho mais potente para uma saúde duradoura e para nos tornarmos verdadeiros “Super Agers”.